A avaliação interna do governo federal é que houve conflito de interesses no leilão para compra pública de arroz realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) na semana passada, disse uma fonte graduada em Brasília.

Os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário trabalham para evitar que o episódio se torne um “escândalo” e para minimizar os efeitos da exposição política do caso, que já suscitou pedidos de investigações na Justiça e até de instalação de uma CPI no Congresso Nacional. Ontem, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, cobrou uma solução.

Fontes a par do assunto admitem a possibilidade de exoneração do secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, para evitar que o caso escale e coloque em risco a cadeira do ministro Carlos Fávaro. Uma saída estudada no momento é a possibilidade de Geller pedir afastamento durante a averiguação dos fatos.

Mesmo assim, as Pastas já fazem o cálculo do desgaste político e do desperdício de energia para solucionar a situação em uma época de agenda dominada pelas articulações elaboração do Plano Safra, uma das principais políticas da área e que é atribuição da secretaria de Geller.

A falta de uma ação mais pragmática do governo neste episódio pode levar a um “sangramento” ainda não dimensionado, avaliou uma fonte. No entorno de Fávaro, o ambiente é de “sentimento ferido” e de “grande preocupação” com o caso. Entre aliados de Geller, porém, a sensação é de “fogo amigo” nos corredores do ministério, com articulações para derrubar o secretário.

Geller foi atuante desde a campanha eleitoral de Lula e trabalhou informalmente na Pasta até ser nomeado para a secretaria em dezembro de 2023, quando reverteu um processo judicial e retomou seus direitos políticos.

As conexões do secretário com o leilão, no entanto, colocam em risco a imagem da Pasta e do ministro, em um momento em que Fávaro goza de boa relação com o presidente após superar momentos de instabilidade no cargo durante o ano passado. A cúpula da Pasta e o Palácio do Planalto querem barrar qualquer possibilidade de instalação de uma CPI, articulada pelo deputado federal Luciano Zucco (PL-RS), o que aumentaria ainda mais a exposição e o dano à imagem do governo.

Uma eventual saída de Geller pode mexer até nos planos do assessor especial do ministro, Carlos Augustin, de disputar ou não a eleição para a prefeitura de Rondonópolis, disse uma fonte. Para concorrer ao pleito, ele precisa se licenciar do ministério até 7 de julho, mas as decisões foram adiadas enquanto a pauta é dominada pela “crise” gerada pelo leilão de arroz.

Fonte da Pasta disse que com a possível saída ou afastamento de Geller o substituto natural para o cargo de secretário, de forma interina, seria Wilson Vaz de Araújo, servidor de carreira da Conab que atua há mais de 20 anos na Secretaria de Política Agrícola.

Conexões do secretário
Ontem, os ministros Carlos Fávaro e Paulo Teixeira se reuniram com integrantes da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Controladoria-Geral da União (CGU) para analisar os impactos jurídicos, legais e políticos do caso. Nessa terça-feira (11/6), o grupo deverá receber informações sobre as empresas vencedoras do certame solicitadas às bolsas de cereais e mercadorias que intermediaram os arremates dos lotes de arroz. Procurados, os ministérios e a Conab ainda não responderam. Neri Geller também não atendeu as ligações da reportagem.

O fio que liga Geller ao leilão é Robson França, presidente da Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso (BMT) e dono de corretoras que intermediaram a comercialização de 44% do volume de arroz negociado (116 mil toneladas) e do valor envolvido no leilão da Conab, cerca de R$ 580 milhões. Ele foi assessor do secretário durante seu mandato na Câmara dos Deputados, entre 2019 e 2020.
Sociedade do filho
França é sócio de Marcelo Piccini Geller, filho de Neri Geller, em uma empresa aberta em agosto de 2023, depois da criação e da qualificação da BMT para participar dos leilões da Conab. Todos negam qualquer tipo de direcionamento no certame, mas esse é o ponto focal das discussões em Brasília sobre um eventual favorecimento ou uso de influência.

O secretário tem dito que “não sabia” da participação de França no leilão e que a empresa do filho em sociedade com o ex-assessor está inativa. Mesmo assim, há no governo a avaliação de que essas conexões formam uma “ilegalidade primária”, devido ao parentesco de Marcelo, sócio de um operador direto das negociações de compra e venda do arroz, e Neri Geller, que mandou executar o certame.

Ligação com a Conab
No gabinete na Câmara, França foi colega de Thiago dos Santos, atual diretor de Operações e Abastecimento da Conab, responsável pelo certame e que também está na berlinda. A estatal não comentou o caso.

Como é integrante da diretoria-executiva da Conab, Santos só pode ser desligado se renunciar de forma voluntária ou for destituído do cargo por decisão do Conselho de Administração da estatal.

Nenhuma reunião do colegiado foi convocada até agora. O presidente da Conab, Edegar Pretto, tem apenas despachos internos previstos na agenda desta terça-feira (11/6).

A Conab tem até hoje para divulgar os preços de entrada de outro leilão, marcado para quinta-feira (13/5), para negociar 36,6 mil toneladas de arroz que não foram arrematadas no primeiro certame.

 

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